O paradoxo das experiências de influenciador ou por que todos os podcasts estão iguais?
Onde a gente escuta "gente como a gente"?
Há um tempo, estava procurando algum tema mais específico de maternidade em podcasts para ouvir as experiências de outras pessoas (provavelmente era algo sobre sono, porque sempre é sobre sono). Tudo que achei no Spotify, no entanto, era muito diferente da minha experiência. E não porque a minha experiência fuja à média. Muito pelo contrário! Era porque as experiências retratadas é que fugiam à média. Eram experiências de pessoas muito ricas, com muita flexibilidade e muita visibilidade. Experiências de influenciadores, claro! Todos os podcasts pareciam ser com as mesmas pessoas. Fiquei pensando como sinto falta de ouvir sobre a vida de “gente como a gente” e por que isso está tão difícil.
Talvez porque haja esse ciclo natural da influência. A pessoa começa, sim, “gente como a gente” — ou pelo menos algumas. Lembrei de uma influenciadora que sigo há anos. Ela começou divulgando seus desenhos na internet e eu a segui porque gosto de ilustrações. Com o tempo, ela foi crescendo e crescendo e começou a aparecer mais. Como não dá para desenhar na velocidade do algoritmo e também porque é muito tentador, ela começou a postar mais sobre sua vida do que sobre sua arte.
Ela ganhava tratamentos estéticos e mostrava o passo a passo nos stories. Depois, começou a compartilhar sua rotina de cuidados pessoais, com publis de marmitas, academia e creminhos. Então, passou a ganhar muitas viagens de patrocinadores para eventos enormes em que era preciso usar roupas pomposas. Depois, começou a mostrar sua casa, os móveis cada vez mais caros e sob medida. As mudanças de apartamento para cada vez espaços maiores e maiores. No fim, eu não me lembro da última vez que vi ela compartilhando suas artes.
Essa não é uma crítica específica a essa influencer. É só uma observação sobre o ciclo dos influenciadores. No fim, quando alguém cresce demais, seu nicho se desfaz e vira tudo ‘lifestyle’. E um ‘lifestyle’ patrocinado pelas mesmas empresas, do mesmo jeito, sabe? Tudo vai ficando muito igual. E muito caro. Muito fora da nossa vida de gente comum que acompanha aquilo.
Sobre a questão do sono de bebê que comecei procurando em podcasts, eu lembro claramente de ver um vídeo de uma outra influencer que teve filho praticamente na mesma época que eu. Ela resolveu fazer um resumão do primeiro mês do bebê em vídeo e tudo que descrevia eram flores, enquanto eu, na mesma situação, estava acabada e desesperada. Fiquei me sentindo péssima, claro. Era possível estar plena assim e tão imbuída apenas de amor no fim do primeiro mês de cuidados com seu primeiro filho? Por que eu não me sentia como ela?
Mas, no fim do vídeo, a influencer dizia meio en passant, — como se não fosse nada importante— que tinha contratado uma babá noturna. Ou seja, aquela mulher não acordava de madrugada para acudir seu filho nem uma vez. Ela dormia a noite inteira praticamente todas as noites, enquanto eu estava dormindo menos de 2 horas seguidas por noite, todas as noites. E isso não é um julgamento sobre ela e sua decisão de ter ajuda à noite, uma ajuda que ela podia pagar e eu não. É só o reconhecimento de que uma comparação entre nós duas não faz o menor sentido, porque a realidade dela é completamente outra. E isso vale para praticamente todos os influencers com centenas de milhares ou até milhões de seguidores.
Mas me diz se não é o que a gente tem feito o tempo todo: se comparar com influenciadores? No fundo, a gente sabe que não é justo, mas essas são as experiências a que estamos tendo mais acesso. Às vezes a gente simplesmente esquece que aquelas pessoas não vivem no nosso contexto.
Experiências de amigos
Conforme vamos envelhecendo e convivemos menos com nossos amigos diariamente, ficamos menos por dentro da vida deles. Às vezes nos atualizamos sobre eles por meio das redes mesmo. Mas nossos amigos, em geral, compartilham muito menos a vida do que um influencer. Você não sabe o que seu amigo come no café da manhã ou se ele comprou uma TV nova, mas você sabe sobre isso em relação aos influencers que você segue.
Logo, as experiências a que mais temos acesso são ou experiências irreais e maquiadas por edição, ou experiências muito fora do nosso contexto, porque são de pessoas que se tornaram muito ricas e famosas. E mais: vivem de mostrar o quanto são ricas, famosas e suas vidas são interessantes.
E a questão é que somos seres sociáveis. Temos necessidade de compartilhar experiências e, em alguma medida, comparar nossa vida com a dos outros ao nosso redor. Uma vez eu li — não me lembro onde — que ter amigos é explorar a possibilidade de viver outras vidas. Como se ao ouvir os relatos dos nossos amigos, a gente tivesse um sabor daquelas experiências e outros modos de ser e viver também.
A questão é que quando as experiências a que a gente tem acesso são só positivas e inalcançáveis, a nossa vida parece mais vazia e feia. Isso não quer dizer que eu quero ouvir influenciadores expondo experiências negativas (até porque isso tem aos montes também), eu queria era ouvir mais relatos de pessoas reais. Eu queria podcasts com “gente como a gente” discutindo os assuntos, contando causos, falando de coisas boas e ruins.
E eu sei que até tem, claro, porque a internet tem espaço para todo mundo. Mas não são esses podcasts e vídeos que chegam para gente, né? Para variar, é aquela questão do algoritmo, quando a gente procura, aparece quem já é grande, quem já tem muitos plays, etc.
Na verdade, é um ciclo: as pessoas chamam influenciadores para seus podcasts porque eles trazem público. E ninguém quer fazer um podcast sem público. É assim que os podcasts vivem povoados apenas por influenciadores. E, no fim, o tal do espaço democrático que devia dar voz a todo mundo está sempre amplificando as mesmas pessoas e, para variar, pessoas ricas.
Eu não tenho solução para isso. Talvez procurar pessoas reais e pequenas que produzem conteúdo? Talvez apoiar essas pessoas menores que falam de experiências mais parecidas com as nossas? Se você conhece gente assim que está na internet, por favor, me indique:
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Mais um texto perfeito e que transborda muito do meu atual incômodo na internet. Eu fico me perguntando se não é culpa nossa (não necessariamente minha e sua!) o fato do algoritmo mandar estes "mais do mesmo", quando certamente existem pessoas comuns compartilhando vidas mais comuns. Será que muita gente teria interesse no não cinematográfico nos dias atuais?
Muito bom o seu texto! Eu me esforço ao máximo para não consumir nada além dos meus audiobooks e livros ! Hahah e Substack ;) pq eu não to suportando a internet. Fico muito feliz por fora de todos os memes e fofocas de influencer.
Tento conversar muito com meus amigos, pessoalmente e por WhatsApp. Como antigamente hahaha. Minhas experiências que troço com eles são mais valiosas que qualquer podcast :)