Que bonito o 'slow content', mas a gente combinou com o algoritmo?
Ou o paradoxo de desacelerar em um sistema acelerado
Se você já deu uma passada no Linkedin este ano, talvez tenha se deparado com a tendência anunciada do ‘slow content’, em tradução livre “conteúdo lento” ou “conteúdo desacelerado”. Na verdade, a ideia faz muito sentido dentro do nosso contexto. Com as redes sociais cada vez mais focadas em vídeos curtos, “tweets” com frases de impacto e a sensação de que ninguém mais tem tempo para ler nada, a produção de conteúdo está ainda mais massiva e superficial. (Não vou nem entrar no papo de conteúdo feito por IA que aumenta tudo isso exponencialmente). O slow content iria na contramão do que estamos vendo, propondo “postar menos e melhor”, ou seja, trabalhar melhor os posts, propor discussões mais longas e aprofundadas. Muito legal, né? Mas tem um problema: ninguém combinou isso com o algoritmo.
Eu sei e você sabe: estamos todos cansados. Cansados de produzir e cansados de consumir. Por isso, seria ótimo ter menos conteúdo, mas mais bem feito e bem pensado, certo? Seria bom para o criador de conteúdo que vive correndo atrás do rabo para ter assunto para postar todos os dias, entrar em todas as trends e tentar captar em poucos segundos a atenção de quem não consegue se concentrar em nada. Seria bom para quem consome conteúdo e está com a cabeça cheia e acelerada e tem a sensação de que, na verdade, não está absorvendo nada (não está mesmo) e só vê besteira online.
Mas não é bom para o algoritmo. Não é bom para a rede social.
Não é bom para a rede social
Para a rede social, o cassino é mais interessante. Quanto mais o criador aposta em mais e mais uma jogada, melhor. O volume de conteúdo é sempre interessante para a rede. O feed infinito fica potencialmente mais infinito (você me entendeu). São mais dados para serem cruzados e para serem entregues a mais usuários. Além disso, no senso distorcido de produtividade que andamos experimentando, parece que você fez mais em assistir a 10 vídeos de 30 segundos do que a um de 5 minutos, não é? E 5 minutos nem é muita coisa, hein, galera. Mas no TikTok parece um tempo insuportável.
“Ah, mas o algoritmo do TikTok agora tá dando espaço para vídeos mais longos”, você me diz. Verdade. Mas a lógica ainda é a mesma. Você precisa prender a atenção do espectador logo de cara, senão ele pula o seu vídeo. E para chamar a atenção logo de cara, você joga uma frase de efeito, você faz uma promessa, você planta bananeira.
As pessoas até aceitam ouvir uma conversa mais longa, desde que ela seja entremeada de ‘plots’ ou esteja acontecendo enquanto ela faz outra coisa. Porque aí não parece que ela está perdendo tempo. Aquela ideia do conteúdo tocando enquanto você lava a louça, sabe? Aliás, já reparou que até quem produz conteúdo está nesse ritmo? A ideia é sempre falar enquanto faz outra coisa: “maquia e fala”, a pessoa te contando uma história enquanto espera alguma coisa no carro, falando da vida enquanto coloca um avental e começa a cortar tomates. Não é à toa.
O slow content não vai acontecer enquanto as redes sociais em que ele for postado forem o Instagram, o TikTok, o X ou mesmo o Linkedin. Porque os incentivos dos algoritmos não são esses. As redes não querem desacelerar nada, quem quer somos nós. Então, slow content é uma tentativa de desacelerar em um sistema acelerado. É válido, sim, mas às vezes parece ser só enxugar gelo.
Pode funcionar para uma pessoa ou outra cujo nicho seja de maior desaceleração, mas para os grandes perfis e no todo da rede social, não. As pessoas começam a postar menos e veem o engajamento despencar. Tentam se aprofundar num tema e a taxa de retenção vai lá embaixo. Na maioria das vezes, o slow content não se sustenta nos números.
Só vai funcionar mesmo se o algoritmo mudar. Só se a lógica mudar. Só se a gente for para outra rede social. Ou sair da rede social. Do jeito que é hoje, tentar fazer slow content no Instagram e no TikTok é aceitar não jogar o jogo, não ter engajamento, não chegar nas pessoas. E tudo bem também. Às vezes a gente precisa entender que flopar não quer dizer que o que a gente escreveu ou falou não foi bom. Mas para quem depende dessas plataformas para fazer grana, não rola esquecer totalmente os números ou aceitar falar com as paredes.
Eu também quero fazer slow content
Eu também quero fazer slow content. Eu meio que estou fazendo. Mas eu pago o preço. O perfil do Tempo de Qualidade no Instagram cresce muito devagar, estagna, tem post com pouquíssimas curtidas. Eu sei que tem post que nem tá sendo entregue pela plataforma direito.
Carrossel com reflexão não é para pegar muita gente, assim como textão de newsletter. Eu sei disso. Mas as pessoas que pega, caramba! São pessoas com quem realmente vale a pena conversar. É isso que eu tenho experimentado, especialmente aqui no Substack — a plataforma por onde eu mando essa newsletter e que também é meio que uma rede social, caso você esteja me lendo do seu e-mail e não conheça.
Sem querer romantizar, mas, para mim, o jeito de fazer slow content é assim mesmo: criando uma comunidade própria para além das grandes redes sociais. É ter leitores no seu blog ou na sua newsletter. A certeza de que um conteúdo feito uma vez por semana será entregue por quem se interessou em receber. Parece loucura, mas é uma grande alegria saber que esse e-mail chegou para você e que você leu. Olha que raridade isso! Uma conversa mais longa, um pouco de nuance.
Só vai dar para desacelerar fugindo um pouco do algoritmo. É isso que eu tenho achado. E essa newsletter é a minha tentativa.
Você tem mais ideias para fazer isso além das newsletters e dos blogs? Comenta aqui!
Agora, coisas que eu gostei de ler/ver esta semana e podem te interessar:
“Millennials não querem tiny houses”, texto da newsletter Além da Linha, da
, que acerta em cheio!“Individuality vs Influence”, da newsletter The Ash Files. A narração é especialmente boa para quem quer ouvir como podcast e treinar o inglês.
“o futuro começa devagar”, da newsletter
, com uma reflexão que tem tudo a ver com as coisas que discutimos aqui no Tempo de Qualidade.Essa edição da newsletter Uma Palavra, da Aline Valek, que está especialmente recheada.
A entrevista do Drauzio Varella no Roda Viva porque eu nunca perco uma oportunidade de ouvir esse senhor.
Até a próxima!!
Leia também desta newsletter ou ‘caso você tenha perdido’:
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Gostei muito do texto! Sempre me frustrei com os algoritmos que nos obrigam a espremer conteúdo produzido massivamente em conteúdos curtos e altamentes estimulados.
Não basta o consumo exagerado de conteúdos, afinal todo lugar tem estímulo, o produtor de conteúdo precisa entrar nessa onda e produzir nesse ritmo se não quiser flopar.
Encontrei paz quando cheguei aqui e percebi o pó tô que você trás no texto: a construção de comunidades e produção de conteúdo para pessoas que realmente estão engajadas.
A métrica é outra e é importante ficar em paz com isso. Ha também que se ter discernimento e alavancar as redes de acordo com seu potencial, as vezes a news sai aqui e o carrossel dela vai pro LinkedIn e um infográfico vai pro Instagram.
Eu ainda valorizo muito a interação e diálogo, pois nosso software não é tão atualizado assim pra absorver tanta informação em tão pouco tempo.
Gostei pra caramba do texto. Realmente, é por isso que eu amo tanto o substack. Meu post pode até estar sendo entregue pra poucas pessoas, mas eu não tô falando com as paredes. Sou escritora, sou poeta, sou uma alma que pensa e sente muito e não fui feita pra ser compacta e falar pouco. Eu falo MUITO, falo sobre tudo, divago sobre um mesmo ponto 300 mil vezes e, pra finalizar, ainda falo um pouco mais. Então prefiro mil vezes falar com 13 pessoas que vão me ouvir de verdade e me responder de volta quando eu questiono algo, do que falar com 4.000 que vão me ignorar e me abandonar se minha pergunta demorar mais que 5 segundos de leitura.
Esse é o preço que se paga pelo slow content, e sei que muita gente não está disposta a pagar por ele. Mas eu adoro esse modelo, nasci pra ele, e é assim que seguirei. Por isso me apaixonei pelo substack. Espero que esse modelinho como as pessoas operam aqui nunca mude.