A vida que você quer vai dar trabalho. E não estou falando do seu CLT.
Sobre não deixar só as bigornas caírem na sua cabeça
2020 foi um ano horrível para todo mundo. Eu duvido muito que você discorde disso. Foi horrível não só para quem, de fato, pegou covid-19 ou perdeu pessoas queridas por causa do vírus. Foi horrível também porque a vida ficou empacada. Não dava para fazer nada, planejar nada. Tudo era muito incerto. Qualquer coisa que fosse desnecessária estava fora de cogitação. E, assim, não se comemoraram aniversários, não se foi ao cinema, ninguém viajou, não deu para executar nenhum grande plano. E nem mesmo fazer nenhum grande plano.
E foi em meio a tudo isso que uma coisa meio óbvia passou pela minha cabeça pela primeira vez: as coisas boas nas nossas vidas só acontecem pela ação. Não sei para você, mas para mim, quando eu não faço nada, só cai bigorna na minha cabeça, como em um desenho animado. Pessoas da minha família ficam doentes, canos do apartamento entopem, coisas quebram, acidentes acontecem, pets morrem, o médico desmarca, cai um temporal, aparece aquela dor nas costas.
É como se a gente não precisasse procurar muito pelas tragédias. Elas já meio que estão contratadas. Afinal, vamos todos morrer mesmo, né?
Agora, as coisas que realmente valem a pena na vida, isso você vai ter que correr atrás. E nem é papo de coach. Eu não vou poder e nem quero te ajudar com isso.
A questão é que não vai surgir uma festa na sua porta sem que você a organize (ou mantenha amizades para ser convidado para uma). Não vai aparecer um novo emprego bacana se você não for procurar ou ao menos contar pra alguém que está querendo. Um crushzinho ou o amor da sua vida não vai brotar do chão se você não sair de casa ou minimamente usar um aplicativo. Ninguém vai ler os seus textos se você não os escrever. Você não vai morar num lugar mais legal sem ir atrás disso. Você não vai ter um jardim se não regar as plantas todo dia (ou na frequência certa que eu não sei qual é porque sempre mato minhas plantas com excesso de amor).
Planejar o lazer
Sabe uma coisa que a gente vive deixando pra inércia? O lazer. Quantos finais de semana você passou deitado no sofá procurando coisa para ver no streaming ou rodando timeline? Não que ver alguma coisa no streaming de boa não seja um lazer, mas eu aposto que você não planejou isso. Só foi o que tava mais fácil.
Eu sei que tá todo mundo cansado e parece que planejar o seu lazer é mais uma coisa para fazer. Mas é uma coisa que você vai fazer por você, vai? Se você não faz isso, a vida vira só trabalho e obrigação (a bigorna sempre vem).
O lazer vai dar trabalho. Você vai ter que convidar as pessoas para fazer coisas (eu sei, preguiça!), vai ter que separar um dia para um passeio, talvez comprar ingresso antes, ver a previsão do tempo, lavar aquela roupinha que você quer usar. Vai ser mais difícil do que deitar no sofá, sim, mas vai valer a pena. E se você planejar direitinho, vai poder prever também aquele final de semana que vai passar só descansando em casa. Só que ao invés de ficar duas horas tentando escolher se vê um reality show bobão ou o filme do Oscar, já vai estar com um plano mais certo do que pretende, de como quer gastar aquele tempo.
Isso vale para as coisas grandes também. Seu sonho é fazer uma viagem internacional? Isso vai dar um trabalho monstro. Além de economizar e fazer conta, você vai ter que pesquisar muito, comprar passagens, fazer roteiro, andar igual uma desgraçada. Quer fazer uma festa de casamento? Dor de cabeça! Contrata buffet, escolhe data, barganha maquiador, ajusta vestido. Mas você vai lembrar disso para sempre.
Estou escrevendo isso só para dizer que a vida que você quer vai dar trabalho e as coisas talvez tenham várias etapas e demorem para acontecer como você gostaria, mas você tem que tentar. Porque se você não fizer nada, vai ser só a parte difícil mesmo. Eu vou repetir: os perrengues estão contratados. É um fato que você vai ficar doente um dia, que a sua TV vai queimar e vai dar alguma merda daquelas com a sua casa. As perdas são inevitáveis, mas os ganhos não vem se você só deixa o tempo passar. É sério. A gente tem que tentar contrabalancear esse jogo.
Afinal, vamos todos morrer mesmo, né?
O texto de hoje foi mais curto, então vou te encher com algumas leituras mais longas que gostei de fazer esta semana:
“O corpo da mulher como metáfora”, por
“Perdendo dentes”, por
“a crise mundial do charme em 7 pensamentos sobre o assunto”, por
Até terça que vem!
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É isso. Eu acho que há uma tendência e mesmo um incentivo pra gente ver só as obrigações como dignas de comprometimento e organização. Daí coisas que super importam pra gente no fim das contas e nos fazem bem acabam sendo negligenciadas.
Adorei o texto! E que timing para ele aparecer para mim, terminei ontem de ler "A morte de Ivan Ilitch" e como esse livro nos faz refletir justamente sobre a vida que estamos buscando ter. Bom, pelo menos já sou esse tipo de pessoa que gosta e busca fazer coisas diferentes, mas tem sido um pouco difícil ter pessoas para acompanhar realmente nessas atividades diferentes e que exigem certo planejamento e esforço