Eu não vou mais postar no Instagram
Sobre não deixar de existir por não estar em uma rede social
Eu me lembro do dia em que meu pai disse que nós íamos ter internet em casa. Eu devia ter uns 9 anos (?) e me lembro de atravessar triunfante com ele o corredor que levava até a sala de uma empresa local chamada Serra Online — porque morávamos na serra fluminense — onde contrataríamos o tal provedor de internet. Eu estava eufórica! Não sabia muito bem o que aquilo significaria na prática, mas parecia que era Natal. Desde aquele momento, eu sempre vi a tecnologia com olhos entusiasmados. Assisti enquanto ela adentrou a minha vida nas décadas seguintes e se infiltrou em todas as minhas práticas mais cotidianas. “Infiltrou” é bem a palavra. Mas algo mudou.
Como muita gente, nas últimas semanas, eu me senti perdida e desmotivada sobre minha presença no Instagram e no Facebook. E online de forma geral. Sim, por conta do anúncio da Meta de que não haverá mais checagem nas postagens, o alinhamento claro de seu dono com o governo Trump, etc. Mas não só por isso.
Eu já ando repensando meu uso de redes há muito tempo. Eu já ando repensando as redes há muito tempo. Especialmente, o Instagram. (O que também é contraditório, porque trabalhei com redes sociais nos últimos seis ou sete anos. E ando pesquisando redes sociais nos últimos dois no meu pós-doc). Daí que semana passada eu decidi: não vou mais postar nada da minha vida.
(calma, o Instagram do Tempo de Qualidade continua. Estou falando das minhas redes pessoais)
Foi como no dia em que eu decidi que não ia mais tomar coca-cola ou quando resolvi tirar o açúcar do café. O corte seco fazia parecer que a vida ia realmente ficar menos doce. Menos de um prazer, mais de uma privação. Mas na prática, eu apenas me acostumei a ficar sem essas coisas. E hoje coca-cola e café com açúcar já não tem nenhum apelo pra mim.
Você existe fora do Instagram
A questão é que parece que a gente não existe se não estiver no Instagram. Ele se tornou tão presente nos nossos dias que tiramos fotos só pensando nele. Vamos a lugares porque eles são instagramáveis, compramos coisas porque elas pareciam ótimas nas fotos e nos vídeos de desconhecidos online.
Se eu cortar o cabelo ou trocar meus óculos e não postar nada, ninguém vai saber que estou diferente? Se eu não compartilhar uma foto da festa em que estou todos vão pensar que eu não faço nada. Se eu não postar nada, será que esquecem de mim? Se eu sumir, será que eu sumo?
A resposta é não. Porque o mundo não é o Instagram. Porque somos corpos e mentes e respirações mais do que somos avatares e filtros. Até os 9 anos eu vivi uma vida sem internet, até os 21 (?), eu vivi uma vida sem Instagram. Então, por que isso parece algo tão intrínseco à existência de tantos de nós?
Meus amigos estão no Instagram, mas estão em outros lugares também. Estão na cafeteria, na festa, na universidade, na padaria, no cinema ou ao clique de uma mensagem. Eu não preciso do Instagram necessariamente para estar com eles, para saber de suas vidas e eles saberem da minha.
Aliás, você já sentiu que não tinha assunto com alguém próximo porque já sabia de todas as novidades do outro pelas redes sociais, assim como todos os outros centenas ou milhares de seguidores da pessoa?
Não haveria problema em permanecer na rede se ela me fosse agradável, mas eu sinto que ela draga meu tempo com coisas que, na maior parte das vezes, não me interessam. Ou me causam raiva, confusão, cobiça…uma influenciadora que ganha 10x mais que eu compartilhando suas viagens semanais, comentários terríveis na última notícia do jornal, anúncios que nos fazem sentir insuficientes em nossos corpos e casas.
Os stories têm três temas
E tem os stories. A maioria dos meus conhecidos têm apenas três temas em seus stories (como eu disse na outra news). E eles se repetem a cada vez que você clica nos círculos coloridos. Tem aquele seu colega que só posta academia, seus cachorros e suas idas à igreja; tem a sua prima que só posta samba/carnaval, trabalho e comidas superfaturadas; a amiga que só posta os gatos, a feira e as plantas da casa; e por aí vai. Nada contra os seus três temas, mas parece o dia da marmota.
Então, eu parei de postar os meus três temas (que aliás, eram meu filho, minha gata e comentários de notícias) e resolvi que não quero mais dar meus dados pro senhor Mark Zuckerberg. Porque ele não é confiável (nenhum deles é). Postar para “melhores amigos” não resolvia isso. A carinha do meu filho continuava entrando nos bancos de dados sabe-se lá de onde. Também resolvi que não quero ficar à mercê do algoritmo. Ainda mais um algoritmo que só tende a ficar pior com as novas diretrizes.
DR das redes
Eu pensei seriamente em apenas apagar o Instagram, mas não é tão simples. Primeiro, porque eu trabalho com redes sociais ainda (risos nervosos) e porque tem muita coisa que eu gosto de consultar por lá: desde os horários da minha academia até as atualizações da prefeitura sobre as vacinas no postinho. Ter uma conta ainda é importante (e tem o Tempo de Qualidade, onde, apesar dos pesares, estamos construindo uma comunidade). Mas ela será cada vez menos usada tanto para produção quanto para consumo de conteúdo.
Esse não é um texto para te convencer a sair do Instagram, mas é um texto para te fazer pensar sobre a sua relação com ele e com todas as outras redes. Por que estamos lá? Qual nosso propósito nessa rede? Ele está se cumprindo? A gente revê coisas na vida o tempo todo: “Ainda faz sentido estar nesse trabalho? Ainda gosto dessa amizade? Ainda quero estar nesse relacionamento? Ainda gosto de me vestir dessa maneira?”. Por que a relação com as redes seria diferente? Por que ela está dada como se fosse algo imutável, inescapável?
Deixar o Instagram de lado é uma decisão pessoal. Mas eu acredito, de verdade, que jogar a toalha não seja a única solução. Eu acho que dá também para tentar construir redes melhores.
A internet em si ou a ideia de criar redes sociais em que as pessoas interajam online não é um problema. São meios e técnicas que podem ser usados de n formas (sobre isso, leia este texto da Clara Browne). O problema é isso tudo ser tomado pela lógica da produtividade, do lucro a qualquer custo, em resumo, do “capitalismo selvagem” — uma expressão que nem faz sentido, porque ser selvagem é o mais longe do capitalismo que eu consigo pensar.
Fato é que enquanto redes forem empresas e enquanto essas empresas forem lideradas por bilionários inescrupulosos, não vai dar para fazer muita coisa.
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Sobre os usos mais informativos do Instagram que ainda existem, como conferir horários de atendimento, campanhas de vacina, etc.: até nisso eu caio na armadilha de entrar lá com o propósito claro de buscar uma informação extremamente específica, e imediatamente esquecer o que fui fazer e começar a consumir conteúdo aleatório. É assustador. Não sei se é por causa da cabeça constantemente cansada com as demandas do dia-a-dia, ou se é porque o algoritmo é feito sob medida pra prender o nosso cérebro. Provavelmente um pouco dos dois.
Só hoje li uns 3 ou 4 textos sobre esse tema. Eu mesma publiquei o primeiro aqui sobre isso.
Reflito sobre como tem sido uma onda de abandono do efêmero, essa rede social que nos enche de informações e nada nos comunica.