Embora sempre soubesse que queria ser mãe, por muito tempo, eu imaginava invariavelmente uma menina nos meus braços. Não por uma preferência clara, mas por não saber lidar com a ideia de criar alguém nos padrões de masculinidade que me eram familiares. Não que eu não tivesse boas referências de masculinidade, mas, de maneira geral, me assustava uma propensão maior à agressividade e todo o combo do “universo masculino”. Até que a médica do ultrassom disse que eu esperava um menino e precisei me haver por algumas semanas com essa informação até ficar em paz com ela.
Mesmo vendo referências muito positivas de masculinidade circundando meu menino hoje, o medo vem de outros lugares. Nas últimas décadas, os homens estão tão perdidos socialmente que basta um funil algorítmico para levar adolescentes à radicalização. Pesquisas já mostram que, enquanto a nova geração de mulheres tende a ser mais progressista, os homens estão ficando mais conservadores. É um backlash daqueles, que desemboca nos casos recentes de feminicídio com requintes de crueldade que assistimos nas últimas semanas no Brasil.
Como mulher, minha vontade é destruir tudo, é quebrar, botar fogo e mandar eles se virarem. É sério que temos que ensiná-los até isso, a não nos matar?
Como mãe de um menino, eu respiro fundo. Os casos de feminicídio não aumentam porque temos um bando de psicopatas à solta. Os casos de feminicídio aumentam porque temos um discurso de radicalização circulando aos montes e que encontra homens sem ferramentas emocionais, sem perspectivas e ensinados que a raiva é o único lugar de expansão que lhes é permitido. É mesmo a receita para o desastre.
Como mãe de menino, tento instrumentalizar emocionalmente o meu pequeno. Sei, no entanto, que meus braços logo ficarão pequenos para envolvê-lo. Sei que o mundo aí fora vai tentar convencê-lo de que agora ele é uma vítima que precisa reconquistar seu lugar perdido à força. Sei que ele não estará protegido desses estímulos enquanto a gente não lidar coletivamente com isso.
Às vezes tenho medo que essa newsletter se torne um círculo sem fim em que eu sempre volto a reclamar das redes sociais, mas a verdade é que essa tendência de radicalização da última década tem, sim, relação com isso em alguma medida. É claro que o machismo não nasceu com as redes sociais, mas o espalhamento de um discurso de ódio contra as mulheres é intensificado por esses mecanismos.
Os red pill, os conspiradores, os trumpistas, os bolsonaristas estão todos aí reverberando essa mesma base discursiva. Estão reforçando uma narrativa em que a mulher é um antissujeito do homem, em todos os sentidos que vocês conseguirem pensar para a palavra “antissujeito” mesmo: um obstáculo para a narrativa, um rival, um não-sujeito, um outro.
Esses discursos se encaixam e circulam muito bem nas redes sociais porque são formados por valores de absoluto, como praticamente toda a base discursiva da extrema direita (como argumentei neste texto aqui). E esses valores de absoluto, além de serem intensos, demandam um processo de triagem, ou seja, de separação e exclusão. A violência é justamente o ato dessa exclusão. É uma mecânica discursiva sórdida. E quando o enunciatário é um sujeito perdido em sua identidade e seu lugar no mundo é muito fácil aderir. É uma catarse, praticamente.
Acredito que essa rede de radicalização só vai arrefecer quando a mecânica das redes mudar. Não basta moderação, não basta rechaçar, é preciso desfazer o funil. Não é apenas papel de mães e pais criar os meninos para serem imunes a esses discursos. Eles simplesmente não podem ser impulsionados dessa maneira, especialmente para crianças e jovens, que ainda são “ingênuos” discursivamente falando.
É claro que não estou justificando ou abonando a violência que esses homens cometem (muito longe disso!), mas a radicalização começa no discurso e transborda pelas mãos. E a violência discursiva também é violência. Temos que atacá-la antes que ela se transforme em violência física, antes que vire assassinato.
Como mãe de menino, eu me preocupo. Como mãe de menino, eu vou tentar deixar ele o máximo possível longe das redes, o máximo possível informado sobre tudo isso. Mas ele está no mundo. E nem eu tenho controle sobre o mundo que meu filho vai viver nos próximos 20 anos e nem meu filho fará sozinho esse novo mundo.
Ouvi muito na minha gravidez sobre a responsabilidade de criar um menino, mas quero falar da responsabilidade que é também coletiva. Nós, mães e pais de meninos, não vamos fazer isso sozinhos. Vamos precisar mexer no vespeiro.
Eu geralmente defendo regulação para as mídias sociais, mas ultimamente tenho achado que ainda é pouco. Talvez a gente precise de algo mais revolucionário. A mudança é urgente. Não dá para ir morrendo enquanto a gente espera.
Esta ótima edição do Jornal do Veneno, da Juliana Gomes , é sobre comida sintética e mulheres.
“Um mundo no qual não sejamos o alvo”, da Bárbara Bom Angelo
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Querida, te mando um abraço. Você sofre daí pelo medo e responsabilidade em criar um menino, eu sofro daqui com o medo de criar uma menina para o mundo. Minha única certeza é que, se estamos pensando sobre isso, estamos com certeza fazendo o melhor possível, pois acho que grande parte dos problemas vem justamente de não se pensar sobre isso. Força pras mamães que não tá fácil <3
Enquanto isso, na Austrália, a justice baniu os adolescentes das redes sociais. Foi uma boa ideia. Preservar os jovens da radicalização que está presente nas redes sociais. O discurso de ódio contra as mulheres tá insuportável. Acredito que há uma trabalho a ser feito nas plataformas, uma trabalho dos legisladores.
Mas também; há um trabalho a ser feito na educação das nossas crianças. Como pai de um menino o de 6 anos; sei como é. É necessário observar os sinais. Observar tudo que a criança traz da escola em termos de novo vocabulário, novas brincadeiras, comportamentos novos que aparecem no dia a dia. As crianças copiam tudo. A gente precisa ver essas coisas. E sobretudo, ensinar a criança a reconhecer seus erros, a pedir desculpa, a deixar os outros falarem, ensinar à criança a dar espaço aos outros, principalmente às coleguinhas. É muito importante ensinar essas pequenas coisas muito cedo.