TikTok: amigo descolado ou inimigo íntimo?
Por que temos tanta nostalgia com o início da internet? Porque lá não tínhamos três coisas que mudaram tudo: WhatsApp, Stories e TikTok.
Quem lê o Tempo de Qualidade no Instagram pode achar que somos meio apocalípticos quando o assunto são redes sociais e inteligência artificial. Eu diria apenas que somos um pouquinho céticos. Ninguém aqui acha que devemos nos esconder nas montanhas sem sinal de wi-fi.
Mas isso não quer dizer também que precisemos mergulhar em todas as novidades de cabeça, sem pensar um pouco se elas realmente vão ter um impacto positivo nas nossas vidas (e qual a medida certa para que o impacto não se torne negativo demais).
A vida é complexa. Por que a internet não seria?
Neste texto, eu quero falar sobre várias coisas. Algumas delas são:
Por que temos nostalgia com o início da internet?
A minha teoria sobre as três ferramentas sociais que mudaram nossas práticas online
A relação complexa que a gente pode ter com o TikTok (e o Instagram)
O que dá pra fazer para pegar um pouquinho do controle do nosso consumo online de volta.
No resto desta news, você vai encontrar as nossas dicas de leituras e coisas legais com as quais achamos que vale a pena gastar um tempinho. Vamos lá?
Os últimos anos pareceram mais acelerados por aí? Desde 2020, especialmente? A pandemia foi um super fator para isso, claro, mas as redes sociais talvez sejam a principal causa dessa percepção. Nós mergulhamos nelas nos tempos mais em casa. Isolados em um mundo de medo e incertezas, sentimos um alento mesmo em nos conectar pelas telas.
Mas aí a pandemia passou e essa sensação ficou. Isso também porque a internet mudou nesses anos, né? Você percebeu?
Talvez você ache que eu estou exagerando, mas a chegada do TikTok meio que mudou tudo. Mesmo para quem nunca nem abriu o aplicativo da notinha musical.
Calma que eu explico!
Foi o TikTok que acelerou a mudança (que já vinha acontecendo, verdade) de um algoritmo de organização das redes sociais para um algoritmo de recomendação. E todas as redes estão seguindo este modelo agora.
É isso que mais me gera nostalgia em relação ao início da internet. Naquela época do Orkut, dos blogs, do início do Facebook e do Twitter, a gente escolhia quem ia seguir (ou quem ia adicionar) e o tal do feed só organizava o que a gente queria ver em ordem cronológica. Era como um grande textão que você poderia ler de cabo a rabo se quisesse. Ou pelo menos, tinha a sensação que poderia.
Com o passar do tempo, a ordem cronológica “saiu de moda” e o feed começou a parecer mais um espaço sem fim. Depois, a gente começou a ver indicações de pessoas e páginas que a gente não tinha escolhido seguir necessariamente (fora os anúncios, né?). E o auge veio com a página “For You” do TikTok, um feed montado exclusivamente para você pelo algoritmo. A ideia não é mais escolher pessoas para seguir. A ideia é ~descobrir~.
E quem não ama descobrir?
Descobrir coisas novas nos deixa extasiados. Descobrir causa um arrebatamento. Descobrir é muito mais intenso do que pesquisar, do que procurar. É por isso também que é tão viciante.
O amigo descolado
Todo mundo já teve aquele amigo descolado (ou já quis ter). Aquele que descobre uma banda excelente da Nova Zelândia e apresenta pra você. Aquele que sabe o ponto de encontro do bloco secreto mais novo e alternativo do carnaval carioca. Aquele que te indica uma trilha desconhecida que chega a uma paisagem sensacional. Aquele que te leva no bar mais bacana da cidade, que você nem sabia que existia. Esse amigo é o TikTok.
Ele te apresenta um bando de coisas novas, intensas e sensacionais. E mais: ele sabe exatamente o que pode te interessar. Ele te mostra algo que você nem sabia que estava procurando. A sensação é incrível.
Além disso, o TikTok agora é o que o Twitter já foi em alguma medida: o espaço da inovação. O que surge de novo começa primeiro lá, para o bem ou para o mal. Sabe aquele meme que você viu duas semanas depois no Instagram e um mês depois no Facebook e disse ‘old’? Ele começava no Twitter, mas agora começa no TikTok.
As tendências de moda, de comportamento, de viagem, de gastronomia, de música: todas começam lá. E a gente se sente meio especial de estar por dentro, né? De ver as coisas primeiro. Todo mundo adora ter um amigo descolado.
Inimigo íntimo
O problema é que o seu amigo descolado sabe muito sobre você. Muito mesmo. Você deu muitas informações para ele. Ele sabe não só o que você tem propensão a gostar, mas no que tem propensão a acreditar. E acreditar é uma coisa muito séria.
Com todas essas informações sobre você, o TikTok consegue te manter online muito tempo. Porque lá é tudo tão intenso, tão rápido, tão legal. Você acaba ficando mais tempo interagindo com esse amigo (ou milhões de amigos) que deixa de lado o tempo para outras coisas.
Começa a comprar coisas que não precisa para estar dentro das tendências. Começa a acreditar em coisas que não são verdade, mas que seria tão bom se fossem, né?
O Blog Zona Cinza, do Victor Hermann, publicou um post bem interessante sobre funis de conteúdo e como tem vários que usam interesses das pessoas para levá-las a pensamentos de extrema direita.
Como eu disse, a internet é complexa.
Ao mesmo tempo em que uma ferramenta como o TikTok pode ser extremamente interessante para descobrir coisas novas, ela pode ser uma grande cilada para nos manipular e tomar o nosso tempo.
Intensidade, imediatismo e passividade: uma combinação explosiva?
Mas eu falei lá em cima que não era só o TikTok que tinha mudado tudo e não era só por sua causa que tínhamos nostalgia de um início da internet.
Tem outras duas ferramentas essenciais nessa transformação, na minha humilde opinião: o finado Snapchat, que gerou os Stories, e o onipresente WhatsApp.
Os dois deixaram a nossa relação com a internet muito mais imediatista. Um story some em 24h. E ele serve, de forma geral, para documentar algo que está acontecendo no momento. Logo, aumentou exageradamente a tal da FoMO (fear of missing out, ou em bom português, o medo de estar por fora). Se você não ver aquele story logo, ele vai sumir e você nunca vai saber o que tinha ali.
Não sei vocês, mas eu me arrependo de ver 90% dos stories que vejo, porque eles dificilmente me acrescentam alguma coisa e costumam ser uma repetição infinita das rotinas das pessoas. (Eu tenho uma teoria de que cada pessoa tem apenas 3 editorias nos seus stories, mas isso fica para outra news).
E tem o WhatsApp. As demandas de trabalho ficaram insuportáveis com o WhatsApp, sejamos sinceros. Não há mais hora para nada. Tudo pode ser enviado ou lembrado agora. Tudo é urgente. “Como assim, você sumiu por 2 horas e não me deu retorno?”. Tudo virou imediato e intenso.
Com o TikTok, e o feed do Instagram seguindo a mesma lógica, ainda acrescentamos uma camada de passividade ao nosso uso da internet. A gente não entra nesses aplicativos para pesquisar alguma coisa. E quando entra, esquece rapidamente o que ia pesquisar e acaba drenado por vários “conteúdos” que nem escolhemos ver.
Parece que faz sentido tudo parecer tão acelerado, né?
Meta para 2025: menos telas?
Parece também que já tem muita gente acordando para tudo isso. Aí eu, você e o nosso vizinho colocamos como meta para 2025 usar menos telas. Mas como? Dá para fazer um detox, largar o celular para lá e ir meditar? Não parece tão simples assim.
A maioria de nós recebe demandas de trabalho pelo celular, fala com os amigos e familiares por ali. Não dá para simplesmente sumir. Não dá pra fingir que não é 2025.
Mas dá para colocar algumas regras para nós mesmos. Dá para tentar assumir um pouco mais de controle do que estamos fazendo, certo?
Ontem, meu marido me chamou atenção porque eu estava escovando os dentes grudada no celular. Outro dia, nós sentamos e colocamos algumas regras sobre nosso uso de telas para este ano. E eu já estava quebrando uma delas. Talvez alguma faça sentido para você também:
Nada de celular no banheiro. (é sério, gente!);
Nada de celular enquanto estiver comendo ;
Colocamos temporizadores diários nas redes sociais: só podemos usar um número de minutos contado e depois o celular bloqueia aquela rede;
Vamos tentar voltar com algumas coisas analógicas para pegar menos no telefone: agenda de papel e relógio de parede e de pulso são algumas delas;
Abrir o telefone com um propósito e se ater a ele até que tenha cumprido. Por exemplo, se você pegou para pagar uma conta, não é para responder a mensagem que chegou no WhatsApp antes.
Nada disso aí é fácil, mas são ações que vamos tentar cumprir. Um dia de cada vez.
Você está nessa também? Se tiver mais ideias para limitar o uso no dia a dia, comenta aqui.
Ao longo do ano, eu atualizo vocês se estamos conseguindo dar conta.
Por enquanto, obrigada por ter se inscrito na news. Estou empolgada em abrir esse canal um pouco mais preservado do algoritmo. Inclusive, discutimos um pouco isso lá no Instagram. É, eu sei, é meio contraditório. Mas como eu disse: a internet é complexa!
Agora, as nossas recomendações de leituras, filmes, séries e coisas legais com as quais andamos gastando nosso tempo ultimamente.
1. O que andamos lendo
“Amar é assim” (Ed Intrínseca)
de Dolly Alderton
[Indicação da Luiza Barros]
Fenômeno editorial entre os gringos, Dolly Alderton me despertava uma certa desconfiança. Mas, em busca de uma leitura mais leve para o fim de ano, resolvi dar uma chance à escritora britânica. Encontrei um livro divertidíssimo, mas nada fútil. Para além de entender o que é ter trinta e alguns anos hoje, Dolly é capaz de mostrar como os pequenos detalhes em um relacionamento, aparentemente triviais, também podem ressoar e significar de forma mais universal sobre a experiência de viver como um casal.
“Quem matou meu pai” (Ed Todavia)
de Édouard Louis
[Indicação da Mariana Coutinho]
Badalado na última Flip, Édouard Louis é um autor hipnotizante. Se você não assistiu à entrevista dele no Roda Vida, assista! E se você não leu nada dele ainda — como eu não tinha lido —, pode começar por este livro super curto. Nele, Édouard discute o que causou o adoecimento de seu pai e a relação conflituosa que os dois construíram. O autor ressalta temas sociais que se entrelaçam em nossas vivências individuais: como a política afeta o corpo dos mais pobres, como as condições de vida desencadeiam ciclos de violência. É uma provocação muito boa para uma sociedade cada vez mais focada nas individualidades. Um tapa na cara bom de levar. E bem rápido.
2. O que andamos assistindo
Ruptura - 2ª temporada (Apple TV)
Ainda não estreiou, mas estamos ansiosos por aqui pela 2ª temporada da série “Ruptura” (Severance). Os episódios estarão disponíveis a partir de 17 de janeiro na Apple TV. Por enquanto, dá para rever a primeira temporada desta série que conversa tão bem com as questões de trabalho que debatemos por aqui. Para quem nunca viu, a premissa é: e se pudéssemos separar (mesmo) nossa vida profissional da vida pessoal? A ponto de não lembrarmos de uma enquanto estamos vivendo a outra?
Pelo título, achei que não ia tirar muito proveito desse texto, porque nunca toquei no Tiktok. Mas foi interessante entender que ele acaba influenciando muita coisa indiretamente por ser o atual criador das trends. E eu também não sabia que o modelo atual de algoritmo começou nele, e esse sim me afeta bastante. Ele me pega muito no Youtube, que implementou os tais Shorts e provavelmente adaptou o algortimo do feed de vídeos, também. O Youtube acaba sendo o site que eu uso há mais tempo, e eu nem tinha me dado conta que tá basicamente virando uma rede social, também, e entrando nele ficamos vulneráveis ao mesmo problema de consumir coisas que não tínhamos a intenção de consumir. Não tem pra onde fugir, só vamos conseguir com esforços conscientes e mudanças de hábitos, mesmo, pelo menos em um nível individual. Sabe-se lá quando/como vamos começar a resolver no nível coletivo.