Quem quer vídeos curtos? Você ou o algoritmo?
Uma cultura sem profundidade é interessante para quem?
No fim da semana passada, saiu uma entrevista no Globo com o escritor Max Fisher, feita pela Talita Duvanel. Ele é autor do livro ‘A máquina do caos: como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo’. A conversa é toda interessante, mas teve uma parte em especial que me chamou a atenção. Fisher diz assim:
“As grandes empresas querem nos manter nas plataformas o máximo de tempo possível para poderem mostrar mais anúncios, afinal é assim que ganham dinheiro. Elas querem garantir que o próximo conteúdo seja justamente aquele com maior probabilidade de engajamento. Se é uma plataforma de vídeos longos, a decisão algorítmica se dá a cada cinco, dez ou 15 minutos. Já numa de vídeos curtos o algoritmo decide a cada dez ou 20 segundos. Existem, então, muito mais chances de sermos conduzidos por uma corrente que começa em um tipo de conteúdo que escolhemos e que pode terminar em qualquer outro que ela queira. Na maioria das vezes, apenas veremos muitos vídeos parecidos com o que já assistimos. Não é como se toda a cadeia de recomendação levasse necessariamente a algo sombrio ou perigoso. Mas a verdade é que existe poder para isso. Em redes sociais de vídeos curtos, como o TikTok, as oportunidades são muito maiores”
Fiquei pensando nessa “decisão algorítmica” e sua frequência. Há alguns anos, estamos escutando o tempo todo que agora o formato é curto: tweets eram textos curtos, um story dura pouco e o TikTok levou as coisas para outro nível. É tudo curto e, consequentemente, acelerado (porque para dizer algo em menos tempo, é preciso concentrar ou dizer menos — talvez os dois).
Parecia que era uma demanda dos usuários, como se ninguém mais tivesse paciência para assistir algo maior ou para ler um pouco mais, certo? Mas isso não é verdade. Ou melhor, é uma meia verdade.
Nossa atenção anda prejudicada, sim. Mas isso aconteceu em grande parte por causa das redes e do nosso modo de vida e não por uma evolução natural ou qualquer coisa do gênero. Essa história de que a atenção humana está diminuindo é um mito, como bem explica a psicóloga cognitiva Maria Panagiotidi.
Não foram os usuários que pediram por conteúdos curtos. Foram as plataformas que os impuseram. O Twitter realmente não permitia, no início, textos maiores que 140 caracteres. O TikTok, no início, não permitia vídeos maiores que 30 segundos. Essas foram regras que vieram das plataformas em primeiro lugar.
E nós nos adaptamos. Mas como não se adaptar quando tudo seguiu essa tendência? Para usar essas redes, era preciso dançar conforme suas músicas. Aliás, até as músicas começaram a ficar mais curtas para se adequarem aos vídeos do TikTok e do Reels, né? Os conteúdos concentrados entregavam tudo de uma vez e lá ficamos nós na tal rodinha da dopamina, criando um pequeno grande vício.
Mas por que as plataformas querem conteúdo curto?
Acho que há dois pontos aqui. Um é esse que Max Fisher aponta: com conteúdos mais curtos, o espaço para mais um lance de escolha do algoritmo é maior. Pense que você tem 30 minutos para gastar no YouTube. Se você escolhe ver um vídeo “grande” de 15 minutos, o algoritmo só vai conseguir te sugerir mais um quando esse acabar, que vai durar mais outros 15 minutos. Agora, se você resolve passar esse tempo no Shorts, ele pode te oferecer uns 50 ou 60 vídeos diferentes no mesmo tempo.
Parece muito? Pense que você provavelmente não passa uma média de 30 segundos em cada vídeo, porque pula vários com até menos tempo do que isso. Realmente, o espaço da “escolha algorítmica” é muito maior e as chances de te manter engajado em frente à tela também. Quem sabe você até não estende um pouco esses 30 minutos de disponibilidade?
Ah, claro, também dá para enfiar mais anúncios com essa quantidade de views. Mesmo que um vídeo grande no YouTube ainda tenha muito mais anúncios do que gostaríamos, a média ainda é menor do que num looping de vídeos curtos. Então, para o objetivo geral das redes de te deixar mais tempo online para mostrar anúncios, vídeos curtos vencem.
Tem outro ponto aqui: o conteúdo curto dá uma noção de produtividade. Se em 30 minutos eu assisti a 50 vídeos e não 2, eu tenho a impressão de que eu fiz mais coisa, aprendi mais coisa, me informei mais, certo? Afinal, foram vários assuntos que passaram pelos meus olhos nesse tempo. Então, os conteúdos curtos também atendem a uma demanda de produtividade que foi se espalhando por todos os cantos da nossa vida, inclusive no lazer e dentro de uma lógica constante de precisar construir uma marca pessoal online.
Você precisa sempre de mais quantidade, fazer mais em menos tempo. E o conteúdo curto é muito eficiente para construir esse efeito. Mas como você já deve estar pensando: é só um efeito.
E qual o problema do conteúdo curto?
Na verdade, passamos batido pela maioria das coisas que vemos nas plataformas de conteúdo curto, como as árvores borradas em um carro em movimento. Quanto mais rápido andamos, menos conseguimos identificar a paisagem ou nos lembrar dela depois. Menos capacidade temos de apreender o que estamos vendo.
E, em geral, os conteúdos curtos tendem a ser mais superficiais. Isso não quer dizer que todo vídeo de uma hora seja ótimo e profundo, mas não é possível passar uma ideia muito complexa em 30 segundos, mesmo que você seja uma espécie de MacGyver da comunicação. Dá para introduzir um assunto ou passar uma mensagem curtinha, mas desenvolver uma ideia completa e complexa? Isso não dá, não. E se você tentar fazer isso, o que vai acontecer é que vai ficar mal explicado e talvez ninguém entenda nada. Para conteúdo curto, uma simplificação acaba sendo necessária.
O problema com o conteúdo curto, então, está em uma cultura de consumir só conteúdo curto. Se você fica só na introdução ou só em uma simplificação, um vislumbre do assunto, e nunca vai mais fundo, você se mantem na superfície. É aquele papinho dos generalistas que eu abordei no texto sobre discurso antiacadêmico. Alguém que ouviu falar sobre muita coisa, mas não sabe profundamente sobre nada. Talvez funcione para soltar uns nomes numa reunião no Zoom ou numa mesa de bar, mas não para mais do que isso.
Quando olhamos de uma maneira macro, não só espalhar, mas institucionalizar essa superficialidade toda é, novamente, interessante para manter as pessoas na rodinha do hamster. Quem fica inundado por informações superficiais não consegue, de fato, fazer ligações entre as coisas ou simplesmente parar para pensar nas próprias ações e hábitos.
Esse excesso nos esgota e gera um cansaço generalizado, nos deixa prontinhos para as próximas recompensas fáceis: rodar roletas digitais no app da Shopee, acreditar em fake news que confirmem nossos viéses, cair em qualquer dica para ganhar dinheiro fácil ou ficar mais bonita rapidinho. Tudo muito conveniente para quem compra nossa atenção e nos vende gadgets e inseguranças.
O conteúdo longo está voltando?
Mas, Mariana, se as plataformas são tão a favor de conteúdo curto, por que o Twitter aumentou o número de caracteres e o TikTok aumentou o tempo possível nos vídeos? Porque a gente forçou a barra.
Não sei se você lembra, mas no início do Twitter não havia “treads”, os famosos fios em que uma cascata de tweets se interligam para, na verdade, formarem um textão. Isso surgiu porque os usuários estavam burlando a regra de 140 caracteres, mandando vários tweets numerados em sequência e depois usando a ferramenta de responder para criar um fio a partir da própria postagem. A gente está sempre tentando burlar certos limites que as plataformas colocam.
O Instagram não nos deixa até hoje (2025!) colocar links nos posts do feed, com o único objetivo de não nos tirar do app. Então, fazíamos o que quando não tinha link nos stories? Link na bio! Quando o TikTok não deixava fazer vídeos mais longos, as pessoas faziam vários curtos contando uma mesma história e colocavam “Parte 1”, “Parte 2”, “Parte 3”. A demanda de conteúdo mais longo vem dos usuários e ela, de fato, existe e talvez esteja até aumentando, como apontou o Ted Gioia e como o Luri Ribeiro explicou muito bem neste texto/vídeo.
A gente não aguenta essa aceleração do conteúdo curto o tempo todo. A gente precisa de maiores explicações sobre as coisas. É por isso que demandamos conteúdo longo em alguma medida. E as plataformas acabam abrindo espaço para isso aqui e ali, porque é preciso negociar com o usuário também para não perdê-lo. Acredito que é um equilíbrio — ainda que numa balança bem descalibrada que sempre pesa mais do lado de cá — entre o que é bom para eles e o que começa a ficar insuportável para nós enquanto usuários. Quando chega nesse limite, as plataformas dão uma recuadinha, criam novas ferramentas, mudam as regras de novo e de novo.
Eu disse num congresso dois anos atrás que eu não acredito que essa aceleração vai se manter por muito tempo, porque nós não aguentamos isso cognitivamente. Acho que já está acontecendo e há uma curva a ser feita.
O que você acha?
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“A tal da praça pública da internet”, da
“Tá Todo Mundo Tentando: fazer sucesso no Substack”, da
“Perguntas e mais perguntas: Leitura X Inteligência Artificial”, do
“A Origem do Mal”, um textão pauleira da
“Magreza repaginada”, por
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Caramba, eu tava lendo e achando muito legal. Daí, eu vi você mencionar a Maria Panagiotidi, e fiquei: "caramba, ela cavou fundo", porque eu tinha escrito um texto sobre isso também e fui nas profundezas da internet atrás desse link. Daí, qual minha surpresa ao ver que você, de fato, leu meu texto também. hahaha
Fiquei felizão pela citação num texto tão legal.
Adorei as referências adicionais e o caminho que você seguiu. Agora vou ler o texto do Ted Gioia que você indicou. :)
Você trouxe um ponto crucial que muita gente ignora: não fomos nós que pedimos por conteúdo ultra-curto, foram as plataformas que impuseram essa lógica para nos manter presos na rodinha de hamster dos algoritmos.
E faz todo sentido: quanto mais curtos os vídeos, mais vezes o algoritmo pode "decidir" por nós a cada 20 segundos, nos mantendo engajados (e vulneráveis) por mais tempo.
Aqui no Substack vejo justamente o contrário: as pessoas têm fome de profundidade, de textos que respiram, de ideias desenvolvidas. É como um oásis nesse deserto de superficialidade digital.
Concordo que estamos numa virada , a exaustão mental tá batendo e a busca por conteúdo significativo só aumenta.